quinta-feira, 5 de junho de 2014

Da hipossuficiência econômica à vulnerabilidade jurídica

Nos termos do art. 5º da Constitução Federal: “LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”. Sobre a distinção entre assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita, confira outro post deste blog.

Deste modo, a atuação da DPE estaria condicionada à hipossuficiência econômica do assistido, isto é, à escassez de recursos deste, nos próprios termos da Lei 1.060/50: “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2º, parágrafo único).

No entanto, atualmente viceja corrente que alarga este espectro, passando a abranger não apenas a hipossuficiência econômica, mas a vulnerabilidade jurídica (organizacional, social) do(s) assistido(s).

Trata-se de posicionamento mais recente e que é pró-Defensoria, e por isso deve ser observados nos concursos para o cargo. Neste sentido, o Defensor Público da Defensoria Pública do Distrito Federal, JOÃO CARNEIRO AIRES:

“Cabe relembrar que o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, pela própria literalidade de seus termos, diz respeito à assistência jurídica integral e gratuita, ou seja, à função institucional da Defensoria Pública. Isso porque o art. 134 da CF, ao tratar da Defensoria Pública, faz expressa remissão ao art. 5º, LXXIV. (…) E mais. Modernamente, doutrina e jurisprudência vêm ampliando o conceito de necessidade para abranger a nominada vulnerabilidade social, nela residindo os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas como as relativas a saúde, moradia, saneamento básico e meio ambiente, o que caracteriza a dita hipossuficiência do ponto de vista organizacional. Desse modo, não só o economicamente necessitado, mas também o juridicamente necessitado, que, do ponto de vista coletivo, corresponde aos grupos sociais desorganizados e fragilizados, possuem o direito à assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública. (Fonte)

Segunda esta concepção, a atuação da DPE não dependeria mais da hipossuficiência econômica do assistido, podendo-se cogitar de sua atuação (da DPE) no caso de vulnerabilidade jurídica (social, organizacional) do grupo assistido, ainda que este seja economicamente suficiente.
Atenção: o alargamento do conceito abrange somente "grupos" de vulneráveis; diz respeito, sobretudo, às ações coletivas.

[Mais sobre a vulnerabilidade jurídica:
Esta mesma ideia (a vulnerabilidade jurídica) permite a nomeação de defensor (dativo ou mesmo público) “ex officio” pelo Magistrado nos casos em que uma das partes, por não ter advogado, encontre-se em situação de desvalia processual, em afronta ao princípio da isonomia ou da paridade de armas (observe que isto é disposição expressa na Lei 9.099/95, segundo a qual a parte sem advogado será alertada a respeito.
Percebe-se que a adoção do parâmetro "vulnerabilidade jurídica" permite tornar efetivo aspectos relacionados ao Devido Processo Legal (contraditório efetivo) e à isonomia (paridade de armas), ainda que ignore a hipossuficiência econômica (um aspecto que, dentro da relação processual, pode ser meramente formal).]

Honorários de sucumbência




ITEM 1

É cabível o pagamento de honorários de sucumbência ao Defensor Público? Ou somente à Defensoria?

LC 80/94:

Art. 130. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros da Defensoria Pública dos Estados é vedado:

I – exercer a advocacia fora das atribuições institucionais;
II – requerer, advogar, ou praticar em Juízo ou fora dele, atos que de qualquer forma colidam com as funções inerentes ao seu cargo, ou com os preceitos éticos de sua profissão;
III – receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais, em razão de suas atribuições;
IV – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista;
V – exercer atividade político­partidária, enquanto atuar junto à Justiça Eleitoral.
O que está proibido é que tal pagamento seja feito diretamente ao Defensor. Isso não impede, todavia, que a parte vencida pague honorários de sucumbência à Defensoria Pública. Neste caso, a verba será recolhida a um fundo:


Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;


Então, é cabível o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência à Defensoria Pública, sendo recolhidos ao referidos fundo; nunca ao Defensor.

ITEM II

Em recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento no sentido de que:

1. Confirmação da súmula 421: “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”. (A contrario sensu, reconhece-se o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a DefensoriaPública Estadual atua contra Município.)

2. Também NÃO são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública. Argumento: “Não é cabível a condenação da Fazenda Pública estadual ao pagamento de honorários advocatícios na hipótese de processo judicial em que a Defensoria Pública estadual atua contra autarquia previdenciária estadual, por importar em transferência de receitas entre entidades custeadas pela mesma Fazenda Pública, não se vislumbrando qualquer proveito real no repasse entre entidades vinculadas, devendo-se fazer uma interpretação extensiva da Súmula 421 do STJ para incluir também a administração indireta que detém personalidade jurídica de direito público.”

A jurisprudência:


DEFENSORIA PÚBLICA litigando com ente da Federação

EMENTA
1. Segundo noção clássica do direito das obrigações, ocorre confusão quando uma mesma pessoa reúne as qualidades de credor e devedor.
2. Em tal hipótese, por incompatibilidade lógica e expressa previsão legal extingue-se a obrigação.
3. Com base nessa premissa, a jurisprudência desta Corte tem assentado o entendimento de que não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando atua contra a pessoa jurídica de direito público da qual é parte integrante.
4. A contrario sensu, reconhece-se o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a Defensoria Pública Estadual atua contra Município.
(REsp 1108013 RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 03/06/2009, DJe 22/06/2009)

DEFENSORIA PÚBLICA litigando com pessoa jurídica de direito público da mesma Fazenda Pública

EMENTA
1. “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença” (Súmula 421/STJ).
2. Também não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública.
(REsp 1199715 RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/02/2011, DJe 12/04/2011)


TODAVIA: há uma tese muito forte dentro da Defensoria no sentido de que a Súmula 421 estaria superada. Isso porque, depois das inúmeras reformas (notadamente a EC 45/04), as Defensorias Estaduais lograram autonomia administrativa, funcional e financeira. Logo, seriam cabíveis honorários de sucumbência em favor da DPE, mesmo quando atuasse contra a própria Fazenda.
Veja que a nova redação do art. 4º, XXI, da LC80/94 pela LC 132/09 refere que tal execução se dará "inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos". Esta tese deverá ser observada.
Há decisões locais seguindo este entendimento, destacando-se o TJ/MG e o TJ/RS.
Então, em prova dissertativa, referir a súmula 421 e o entendimento majoritário, mas fazer esta ressalva, defendendo a superação da súmula.


Outros entendimentos do STJ:

1. Não cabem honorários quando a DPE atuar na função de curador especial, pois se trata de função institucional.

2. Lembrar que “é dispensado o curador especial de oferecer garantia ao Juízo para opor embargos à execução”.


GARANTIA DO JUÍZO pelo curador especial

EMENTA
1. A teor da antiga redação do art. 737, inciso I, do Código de Processo Civil, “Não são admissíveis embargos do devedor antes de seguro o juízo: pela penhora, na execução por quantia certa;” (Revogado pela Lei n.º 11.382/2006).
2. “Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos” (Súmula n.º 196 do STJ).
3. É dispensado o curador especial de oferecer garantia ao Juízo para opor embargos à execução. Com efeito, seria um contra-senso admitir a legitimidade do curador especial para a oposição de embargos, mas exigir que, por iniciativa própria, garantisse o juízo em nome do réu revel, mormente em se tratando de defensoria pública, na medida em que consubstanciaria desproporcional embaraço ao exercício do que se constitui um munus publico, com nítido propósito de se garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa. (REsp 1110548 PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/02/2010, DJe 26/04/2010)


Mais honorários – em geral, não apenas em relação à Defensoria Pública:

1. O pedido de condenação da parte adversa ao pagamento de honorários de sucumbência é implícito. Logo, o julgador deverá aplicar tal condenação à parte vencida, de ofício, ainda que não haja pedido expresso. PORÉM, se o julgador não o fizer, a parte deverá interpor embargos de declaração; se permanecer silente, o tribunal (juízo ad quem) não poderá fazê-lo, pena de julgado extra petita ou mesmo afronta à coisa julgada. Tampouco caberá ação anterior, pena de ofensa aos instituso da preclusão e da coisa julgada.

OMISSÃO NA CONDENAÇÃO dos honorários sucumbenciais
EMENTA
1. A condenação nas verbas de sucumbência decorre do fato objetivo da derrota no processo, cabendo ao juiz condenar, de ofício, a parte vencida, independentemente de provocação expressa do autor, porquanto
trata-se de pedido implícito, cujo exame decorre da lei processual civil.
2. “Omitindo-se a decisão na condenação em honorários advocatícios, deve a parte interpor embargos de declaração, na forma do disposto no art. 535, II, CPC. Não interpostos tais embargos, não pode o Tribunal, quando a decisão passou em julgado, voltar ao tema, a fim de condenar o vencido no pagamento de tais honorários. Se o fizer, terá afrontado a coisa julgada.” (ACO 493 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1999, DJ 19-03-1999)
3. “Se a sentença – omissa na condenação em honorários de sucumbência - passou em julgado, não pode o advogado vitorioso cobrar os honorários omitidos.” (EREsp 462.742/SC, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, DJe 24/03/2008)
4. O trânsito em julgado de decisão omissa em relação à fixação dos honorários sucumbenciais impede o ajuizamento de ação própria objetivando à fixação de honorários advocatícios, sob pena de afronta
aos princípios da preclusão e da coisa julgada. Isto porque, na hipótese de omissão do julgado, caberia à parte, na época oportuna, requerer a condenação nas verbas de sucumbência em sede de embargos declaratórios, antes do trânsito em julgado da sentença.[...] (…).” (REsp 886178 RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/12/2009, DJe 25/02/2010)

2. São cabíveis honorários para o cumprimento de sentença, haja ou não impugnação.

3. Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença. Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, serão arbitrados honorários em benefício do executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC.

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
EMENTA
1.2. Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença.
1.3. Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, serão arbitrados honorários em benefício do executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC. (REsp 1134186 RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2011, DJe 21/10/2011)
Outras Informações
São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, porquanto as Leis 11.232/2005 e 11.382/2006 reafirmaram tendência processualista de retirar o devedor de seu tradicional estado de passividade e imputar-lhe o ônus de sua inércia, o que se verifica no artigo 475-J, que prevê multa de 10% em caso de não-cumprimento voluntário da sentença no prazo de quinze dias, e no artigo 600, inciso IV, o qual considera ato atentatório à dignidade da justiça o executado não indicar quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora.
São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, porque o artigo 475-R do CPC determina aplicar subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no
que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial e, sendo cabíveis honorários em execuções embargadas ou não, é razoável também caber a fixação em cumprimento de
sentença, impugnado ou não, já que o devedor dá causa à instalação da nova fase processual, aplicando-se o princípio da causalidade.
Não são cabíveis honorários advocatícios em impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese em que ela for rejeitada, pois, com a apresentação da impugnação pelo executado, restando vencido ao final, não se vislumbra a instalação de nenhum outro procedimento novo além daquele já aperfeiçoado com o pedido de cumprimento de sentença, prosseguindo normalmente o procedimento executivo, cabendo, eventualmente, incidência de multa por litigância de má-fé ou por ato atentatório à dignidade da justiça, mas não honorários advocatícios.
Não são cabíveis honorários advocatícios em impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese em que ela for rejeitada, tendo em vista que, dada a sua natureza de incidente processual, somente são devidas despesas, e não honorários, conforme artigo 20, §1º, do CPC, exceto se o incidente for acolhido para gerar a extinção do processo, circunstância que reclama a prolação de sentença, subsumindo-se o fato processual ao caput do artigo 20 do CPC, igual ao que se verifica com a exceção de pré-executividade.
(Informações retirada do site do STJ, link recursos repetitivos, “defensoria” na busca, selecionando “processo civil”.)